Minha história de superação
Nunca
poderemos prever o que o futuro nos reserva. Por isso, a prevenção é a
melhor forma de manter nossos filhos longe das drogas. Minha experiência
mostra que as drogas não escolhem classe social, religiosa, idade e
acima de tudo hora e lugar.
Nasci em um lar evangélico e ensinado em seus princípios. Sempre
frequentava os cultos da igreja com a minha mãe. Morava em um condomínio
em Niterói, provando que o uso de drogas não é fruto apenas de
Comunidades carentes. O tempo passou e logo eu era um adolescente de 16
anos cheio de sonhos e ansiedades.
O lar
é a instituição mais importante na vida das pessoas; foi justamente
neste período de minha vida que presenciei a separação dos meus pais.
Meu pai não era religioso apesar dos meus avós serem; meu pai
infelizmente era alcoólatra. É muito difícil conviver com um alcoólatra,
e foi esta a minha primeira experiência como Co-dependente. Já somavam
16 anos, o casamento dos meus pais, digo isto, pois acompanhava todo dia
a dia deles. Embora pressentindo a separação dos dois, foi duro ver meu
pai e minha mãe separados. No dia em que isto aconteceu, lembro como se
fosse hoje, abracei os dois
e chorei muito, pedi que aquilo não acontecesse; minha mãe também
chorando, aceitou meu pedido, esperou algum tempo, mas realmente não
dava, e o inevitável aconteceu, eles se separaram. Foi o momento mais
difícil de minha vida. Fiquei desanimado com tudo, só pensava em ficar
longe de casa. Já trabalhava e coincidência ou não, nesta fase tão
difícil, foi que eu tive minha primeira experiência com drogas. No
próprio trabalho, um colega me apresentou ao inalante, “Cheiro da Loló”,
uma mistura de clorofórmio e essências.
As pesquisas mostram que grande parte dos dependentes iniciam sua escalada nas drogas com os
inalantes e comigo não foi diferente. Algum tempo depois, abandonei o
trabalho. Deixando o trabalho, fiquei ocioso e isto abriu as portas para
as drogas.
Comecei a usar Maconha com a influência de colegas. A primeira vez que
fumei Maconha, foi na praia de Icaraí, zona sul de Niterói no Rio de
Janeiro. Tudo era como uma brincadeira; apenas fumar a “inofensiva”
Maconha que escondia um futuro sombrio, cheio de muita dor e sofrimento.
As drogas no início se mostram como uma lua de mel, mas com o tempo a
dependência se instala e vem o desespero. Quem fala que
Maconha não vicia, ou não sabe o que está dizendo, ou está mal
intencionado. A princípio parece que não, mas com o passar do tempo, ela
o escraviza e o torna dependente; foi assim comigo. O tempo foi
passando, quando dei por mim já consumia cerca de 10 cigarros de Maconha
por dia. Mas não ficou só por isso; pois a maconha para mim foi uma
porta de entrada para as outras drogas. Foi assim que conheci a Cocaína,
que além de cheirar a droga, comecei a usar de forma injetável, cheguei
a ter um princípio de overdose. Foi usando drogas
injetáveis, que fui infectado pelo vírus da Hepatite C, doença essa que
descobri apenas em 2002, depois que já havia parado com a droga. Foi
doando sangue para um amigo que descobri o vírus. Como foi doando
sangue, tive a oportunidade de realizar o tratamento pelo Ministério da
Saúde, e faço acompanhamento até o dia de hoje. Graças a Deus que
naquela época não tinha o vírus da AIDS no Brasil, do contrário poderia
ter sido o HIV. Durante anos eu estava neste ritmo, usava drogas todos
os dias do ano. Conheci o desespero da crise de abstinência. Tudo era
angústia e sofrimento. Só conhece este sofrimento quem passou por ele.
Quando se é um dependente e se está sem a droga, o sentimento é
desesperador. A pessoa fica enlouquecida para usar a droga, o cérebro e o
corpo entram em colapso. A única forma de aliviar esse sofrimento é
usando. O pior de tudo é que a gente quer parar e não consegue; é mesmo
muito triste. Com a dependência surgiu a necessidade de manter o vício.
Esta é a hora mais triste, pois você por mais que queira, não consegue
manter os valores adquiridos em sua família. No meu
caso, iniciei no tráfico de drogas dentro do condomínio em que morava.
Quando não tinha dinheiro, vendia algo de valor para comprar drogas. A
coisa é tão desesperadora que para conseguir dinheiro, cheguei a guardar
armas de uma quadrilha e até dirigir o carro do assalto. Graças a Deus
que isto aconteceu poucas vezes e logo desisti; tudo isso me deixava
muito triste. Coisas deste tipo vemos todos os dias, só muda o
personagem, a historia é a mesma.
É chocante quando penso nisso, mas a crise de abstinência é assustadora. Durante o tempo em que usei drogas adquiri forte
dependência, não conseguia dormir ou sequer me alimentar se não
estivesse sob o efeito da maconha. Quando cheirava cocaína, passava a
noite toda acordado. A essa altura da história, nunca mais fui a igreja,
já havia me afastado totalmente.
Após algum tempo, percebi que algo estava errado, não poderia
continuar naquela situação, estava casado com a minha esposa Clara e
tinha um filho pequeno. Pensava a todo momento que não daria nenhum
futuro ao meu filho e minha esposa se continuasse naquela vida; foi
quando decidi parar de me drogar. Eu não sabia nem de longe, que estava
para travar
a maior batalha de toda a minha vida. Conversei com um amigo sobre o
meu desejo de parar de usar, e ele me deu um cartão dos Narcóticos
Anônimos. Fui ao grupo e fiquei sem usar drogas; foi muito difícil, mas
estava determinado a parar. Mesmo indo ao N.A., eu tive muitas recaídas,
era mesmo muito difícil parar de usar a droga, a doença sempre mostrava
a sua força; hoje compreendo que a coisa é assim mesmo. Nos dias de
hoje temos muitas opções de tratamento e internações, em minha época não
tínhamos estas opções, se tivesse com
certeza estaria internado. O pior de tudo é que a cada recaída eu
ficava mais dependente. Mas estava determinado a parar com aquela vida;
sempre voltava ao NA, não podia desistir. Não compreendia o que se
passava comigo, mas estava
decidido.
Conversava abertamente com minha esposa sobre o assunto. Muitas vezes
recaía e chegava a ela e falava; ao contrário de me repreender ou
criticar, eu era consolado e motivado a continuar lutando; ela entendia a
minha luta. Se eu não tivesse uma pessoa como ela ao meu lado,
possivelmente não teria conseguido; agradeço a Deus por isso, nesse
ponto me considero um iluminado. Diante de tanto desespero e
recaídas, decidi voltar para a igreja. Acreditei que somente um poder
como o de Deus poderia me livrar de tamanha prisão que já durava cerca
de 10 anos. Não foi fácil; tive que tomar algumas atitudes importantes.
Procurei ajuda com um amigo, o Pastor Neemias Cruz. Lembro como se fosse
hoje, ele me ouviu, orou comigo e minha esposa, levantei leve daquela
oração, decidi não me drogar mais. Para ter uma força a mais, precisei
me ausentar de onde morava. Não conseguiria vencer aquela etapa inicial
se ficasse lá. Tive que
ficar na casa de meu sogro. Sentei com minha sogra Geralda e o meu
sogro o Sr Artur; não foi fácil, mas contei tudo o que se passava
comigo. Falei para eles que estava dependente em drogas e que precisava
ficar na casa deles por algum tempo a fim de me tratar. Por Deus; eles
me acolheram e me ajudaram, foram maravilhosos. Também contei para minha
mãe o que estava acontecendo. Ela já estava a muito tempo orando por
mim! O pastor Neemias combinou comigo, que todos os dias me visitaria,
para orarmos, e eu me fortalecer. O pastor
até me ajudou em alguns exercícios para me desintoxicar. Se todo pastor
fosse como ele foi comigo, aonde vemos pessoas sofrendo por conta da
droga, veríamos muitas histórias de sucesso e superação; agradeço muito
ao Pastor Neemias Cruz a forma como ele se deixou usar por Deus para me
salvar. Os primeiros dias sem drogas foram terríveis, a vontade ardia
como fogo. Não conseguia me alimentar, tive vômitos, agitação, insônia,
depressão e febre; isto mesmo, febre. Tudo o que comia vomitava.
Precisei ter assistência médica, coisa que minha sogra Geralda
providenciou prontamente, tomei até duas injeções para baixar a febre
e o vômito. Adormeci, quando acordei, consegui comer alguma coisa; um
biscoito apenas. Aos poucos fui me alimentando melhor e recuperando as
forças, perdi cerca de 10 quilos de peso. Sempre aconselho a quem quer
parar de usar drogas, que busque ajuda, abra o coração, procure a
família, um amigo verdadeiro, um líder espiritual, pois fazendo assim
será mais fácil a vitória. Acima de tudo, fale sempre a verdade! Com a
ajuda de minha esposa, eu tinha uma força a mais; cada dia era uma luta a
ser vencida, Precisei lutar muito, ter muita coragem e determinação. Em
um ano eu estava bem; recuperei o peso perdido, a vontade de usar drogas passou, retornei a igreja, me fortaleci.
A vitória na vida de um dependente, deve ser mantida com muito
cuidado, para toda a vida. Evitar os lugares do uso de drogas e seus
usuários, são alguns destes cuidados. Durante o primeiro ano, estive
longe de tudo
isto.
Com o passar do tempo, corremos o risco de nos sentirmos fortes e
ficamos descuidados. Sem perceber comecei a parar e conversar com os
amigos do passado que ainda usavam drogas. Aos poucos passei a sair com
eles. Eram situações inocentes, como
jogar futebol, ir à praia. Nessas ocasiões, os meus amigos usavam
drogas, inclusive perto de mim. Eu não estava usando drogas com eles,
mas isso era só uma questão de tempo, como foi; recaí. “Vigiar sempre”,
para toda vida, eis a palavra de ordem. Reconheço que neste momento a
minha comunhão com Deus já não estava mais a mesma, deixando de orar e
meditar na Bíblia.
Alguns questionam o fato de não ser aconselhável, manter
amizades com dependentes de drogas. Por experiência própria, considero
que é sempre um risco. No meu caso a tentação foi muito grande. Não teremos
mais nenhum contato? Claro que teremos! No meu caso, a aproximação que
tenho, é convidar para um programa na igreja ou algo dessa natureza.
Jamais envolvimento e companhia. Nesta recaída o meu estado foi pior do
que antes. Passei a usar mais e mais; era a dependência. Estava
desesperado, decidi procurar mais uma vez os grupos de N.A.. Consegui
parar algum tempo (3 meses), mas a dependência parecia mais forte agora e
logo caí de novo. Durante 2 anos lutei muito contra isto. Me culpava e
não compreendia o que estava acontecendo. Nesse período me enfraqueci
muito na igreja; só
não saí totalmente, porque minha esposa estava ao meu lado; com toda
paciência do mundo. Sempre me motivando, fazendo eu acreditar que
venceria mais aquela batalha. Era desesperador esta coisa de cair e
levantar. Eu tinha em mente que precisava vencer, minha determinação
faria a diferença. Mas chega um momento em nossa vida que vamos
cansando; esta é a pior hora. Eu estava me sentindo tão derrotado que
surgia em mim o desejo de morrer. Parecia ser esta a única saída, mas só
que não era tão simples assim, eu já estava com 27 anos, casado e com
um filho, não poderia fazer um ato tão covarde.
O tempo foi passando e eu já me sentia farto daquilo tudo. A minha
única esperança na verdade era a pessoa de Jesus Cristo. Ele é o único
com poder de verdade para vencer uma coisa tão forte como as drogas.
Era sexta-feira, eu ainda estava decidido a parar com as drogas, mas
na verdade, eu precisava de um estímulo, algo que me desse essa força.
Era uma sexta-feira e eu me encontrava na praia de Icaraí na cidade de
Niterói- RJ. Eram nove e meia da noite; eu estava drogado! Usei muita cocaína
e maconha naquele dia, tinha uma compulsão muito grande. Comecei a
pensar em minha vida; daí pensei em Deus. Fiquei triste; lembrei de
muitas coisas boas, na igreja antes das drogas, minha vida com minha
família, meu tempo de escola sem drogas, as coisas que perdi ao longo
dos anos e a tristeza de estar escravizado, e o pior, foi ter voltado
para a igreja e caído mais uma vez. Muitas vezes pensamos que para irmos
a Deus e pedir ajuda, precisamos estar limpos de corpo e alma, sem
erros ou pecados, mas isto é um engano; Deus é amor, e era nisso que eu precisava acreditar.
Pensei nisso; acreditei, e naquela hora comecei uma conversa com Deus. “Meu Deus”. Disse eu: “não
agüento mais a vida que levo, o meu desejo é morrer, e se eu fosse a
sua pessoa, eu já havia tirado minha vida; voltei para a igreja e ainda
assim caí. Senhor o que eu mais quero na vida é parar de me drogar. Mas
não consigo, acredite Senhor, Eu não consigo. Eu tenho certeza que uma
coisa irá me dar muita força. Preciso ter certeza que tu me amas, que
estás comigo, mesmo diante de tudo que eu tenho feito. Mostre-me isto
agora, não sei como, mas diga para mim que tu me amas. Pode ser uma visão, sua voz comigo, não sei. Mas, me demonstre este amor! Agora!”
Naquele
exato momento, 2 moças caminhavam na praia, perto da água e vinham em
minha direção. Ao chegar perto de mim, me cumprimentaram; eu perguntei:
O que vocês querem? Foi quando uma delas se abaixou e me disse: “nós vínhamos do outro lado da avenida e olhamos para a praia; percebemos que todas as pessoas aqui na
areia estão acompanhadas, apenas você está só. Daí sentimos no coração
um forte desejo de vir aqui dizer para você, que Jesus te ama muito e
não importa o problema que você está passando, ele irá ajudá-lo a
vencer, basta você confiar nele”.
Incrível! Elas não sabiam de nada, era ele, Jesus! Não entrei em
detalhes, apenas agradeci pelo que elas falaram para mim. Elas saíram;
eu me levantei, coloquei a mão no bolso, tirei as drogas que ainda tinha
e joguei fora. Naquele momento decidi não mais me drogar. A luta estava
apenas começando; mais uma vez busquei ajuda. Dessa vez procurei o meu
primo Fábio que se prontificou logo de cara em me ajudar. Foi com ele,
minha esposa e muita oração que venci aqueles dias de abstinência. Foram
dias difíceis. A vontade de usar drogas chegava toda hora e queimava
como fogo. A certeza do amor de Deus era sempre uma força para mim, a
compreensão e o amor de minha esposa um alento. Esta luta é ganha com
muita fé, determinação, força de vontade e uma ajuda amiga.
Tenho certeza que toda esta reviravolta em minha vida; a influência de
Deus na minha decisão, teve muito haver com as orações da minha mãe,
que mesmo calada em seu canto, fazia da oração a única esperança para
minha vitória.
Após aquela decisão lutei muito; todos os dias, os primeiros 2 anos foram terríveis. Todos os dias eu orava com minha esposa
pedindo a Deus forças para suportar a abstinência. Por vezes ao longo
do dia, eu pegava na mão da Clara e deitado na cama repetia: “eu não vou
me drogar mais”, repetia, repetia, e repetia quantas vezes fossem
necessárias. Quando eu sentia essa vontade de usar, dizia a ela. Não
tinha espaço para mentiras, eu não iria mais me drogar, decidi, e
buscava ajuda para isso. Uma das coisas que mais me ajudaram a vencer a
crise que sentia por falta da droga, foi voltar a estudar. Agora eu
tinha um ideal, estudar, recuperar o tempo perdido, foi tudo. Eu
estava decidido a nunca mais usar drogas e graças a Deus tenho vencido
até hoje! Estou limpo a cerca de 20 anos. Decidi que voltaria a estudar,
e foi o que fiz. O estudo, o trabalho e a igreja, tudo isto preencheu o
vazio deixado pelas drogas. Durante este período fiz concurso público e
passei; trabalhava pela Secretaria de Saúde do Estado do Rio de
Janeiro, na qual, tive que me aposentar por invalidez. Trabalhava em
Hemodinâmica, o raio-X e a hepatite C me prejudicaram, tive que
parar.
Quando paramos de usar drogas, ainda poderão ficar as sequelas. Senti
isso quando iniciei o curso superior de serviço social; tive que
interromper quando descobri a hepatite C. O tratamento pode se dizer,
que foi pior que a doença. Um ano de injeções e comprimidos; anemia,
imunidade baixa, queda de cabelos, depressão, dores pelo corpo, febre e
outros sintomas provenientes do tratamento. Fiz este tratamento por duas
vezes, em um intervalo de dois anos. Hoje estou negativo, sempre em
acompanhamento e nas mãos de Deus. Com o tempo, toda ansiedade e vontade
desapareceram, mas os 11 anos de dependência ficaram marcados. Hoje
como Vice-Presidente da ARPD- Associação de Recuperação de Pessoas
Dependentes, trabalho na prevenção e no tratamento da dependência
química. No ano de 2011 e 2012, o Governo Federal selecionou 5 mil
pessoas em todo o Brasil, que tinham um trabalho significativo na área
da dependência química. Esta seleção tinha a finalidade de capacitar
profissionais na prevenção e aconselhamento da dependência química,
inclusive o Crack. Tive a satisfação de ser selecionado. O curso de
extensão universitária, foi dirigido e aplicado pela Universidade
Federal de Santa Catarina; curso de capacitação para Conselheiros, aonde
me formei. O outro foi realizado pela Universidade Federal de São
Paulo, Conselheiro para Instituições Religiosas. Ambas as qualificações,
tem
cadastro na Secretaria Nacional de Políticas Sobre Drogas. Hoje, utilizo
todo esse conhecimento acadêmico e a minha experiência pessoal, para
aconselhar e ajudar pessoas que estão sofrendo com o problema da
dependência química. Além de dois livros publicados, criei em 2010, o
site www.drogastofora.com que
aconselho e atendo famílias online pela
internet.
Como você pode ver; por tudo o que passei é possível vencer. Com a
ajuda de Deus e a força de vontade, podemos ser vitoriosos sempre. Que
esta minha experiência, seja um estímulo para você que luta contra a
dependência química. Que seja também uma força para você, que tem
um familiar dependente, ou até para você que deseja prevenir-se contra
este mal.
Lembre-se caro amigo, diante de um problema desses “só você pode, mas não pode sozinho”.
Willy Matos